O inverno agreste deste ano tem dado à força dos elementos a importância que condiciona a vida nestas ilhas atlânticas.
Não fossem o mar e o espaço atmosférico que nos envolvem e aproximam, e o insulamento ter-nos-ia consumido, há muito.
Longe vão os tempos em que o mar era a grande, tremenda e desconhecida estrada, cujo fim não se adivinhava para além do horizonte.
Esse tabú foi desfeito pelas naus de Vasco da Gama que ousaram entrar nas cavernas do Mostrengo do mar sem fundo, na expressão de F. Pessoa.
Desde os descobrimentos, Portugal continua sem desvendar as cavernas do terrível fantasma com que os velhos do restelo ameaçaram a gesta dos portugueses, e o mar - esse continente imenso - é encarado, ainda hoje, pelos povos menos evoluídos, um abismo sem fundo, um espaço monstruoso, onde se assinalam tragédias constantes.
A história açoriana está marcada por acontecimentos trágicos que levam os insulares a conterem-se, afastados da costa, quando a fúria das ondas pretende engolir a terra. Mas mal a acalmia se vislumbra, por perto, os pescadores arriam os barcos para voltarem a encontrar nas profundezas o sustento da débil economia.
Há muito que os povos mais desenvolvidos, se afoitaram a desvendar os segredos dos “fundos abismos”(1).
O progresso da tecnologia, das ciências naturais e da biologia, levaram os homens do saber a pesquisar a existência de vida e a constituição geológica do fundo dos oceanos. Daí advem um manancial científico, pouco conhecido pelo grande público, mas que suporta explorações oceanográficas e as indústrias extrativas que alimentam sectores fundamentais da vivência humana.
Nos Açores, a Universidade, desde que foi criado o Departamento de Oceanografia e Pescas, e em parceria com outros departamentos da academia, desenvolve investigação de reconhecidos méritos a nível internacional que contribue para um conhecimento maior da superfície de mar que nos rodeia: um milhão de quilómetros quadrados, espaço marítimo apreciável e apetecível no Atlantico Norte. Daqui a necessidade de uma gestão dos recursos inventariados, com meios adequados, para que possamos deles usufruir.
Não basta referir na Estratégia Nacional para o mar que existe potencial na biotecnologia marinha, na utilização de compostos de organismos marinhos em bioprodutos com aplicações industriais, farmaceuticas, médicas, cosméticas e tecnológicas. E que o potencial de recursos minerais metálicos engloba: zinco, cobre, cobalto, ouro, prata, manganês, metais de alta tecnologia e terras raras e agregados não metálicos. Muito menos importa acenar com rendimentos de exploração de 60 mil milhões de euros, se não existirem projetos que rentabilizem os investimentos.
Os açorianos, ao longo da sua história exploraram as potencialidades piscícolas da zona costeira e produziram equipamentos adaptados à dimensão das capturas e sua industrialização quer em terra quer no mar.
Primeiro, no final do século 19, construiram o bote adequado à caça da baleia nos nossos mares e instrumentos e equipamentos necessários à produção de óleo. Mais tarde construiram fábricas em várias ilhas, mas a atividade acabou por ser proibida.
Já nos anos 60, foram construídas traineiras adequadas à pesca de atum de salto e vara, equipamentos industriais em terra, e essa atividade também caíu em declínio.
Num tempo em que as tecnologias ditam o futuro das economias, importa avançar com projetos concretos e válidos para que, do mar dos Açores, se extraia todo o potencial referido.
Há que escolher os melhores parceiros e investidores que nos dêem garantias do envolvimento das nossas instituições científicas e da preparação de técnicos qualificados, para que possamos adquirir um “know-how” capaz de gerirmos os nossos próprios recursos.
Para tal, são necessárias verbas do próximo quadro comunitário de apoio e o envolvimento de instituições académicas dos Estados Unidos e da FLAD.
Abrir-se-á, assim, uma excelente janela de oportunidades à economia destas ilhas.
O mar que até agora nos confinou ao pequeno universo das ilhas, pode transformar-se numa estrada aberta ao conhecimento científico, à exploração de minerais de alto-rendimento, à empregabilidade dos jovens e à renovação da população envelhecida.
O mar é a extenção natural de cada uma das ilhas. É nele que o arquipélago ganha grande dimensão, transformando os Açores num continente atlântico.
(1)C.Baudelaire, “Ó mar, ninguém conhece os teus fundos abismos;”
Voltar para Crónicas e Artigos |